sábado, 7 de setembro de 2013

Saí do cinema, mas o filme continuou



Para aproveitarmos os dias, tão raros, em que cá em casa somos apenas dois, fomos ao Nimas ver o filme "Viagem a Tóquio", de Yasujiro Ozu. O filme é muito belo, desde logo do ponto de vista estético; os seus tons de cinza têm uma luz própria muito bonita e os enquadramentos são por vezes sublimes. A história é inquietante e profunda, mas é sobretudo surpreendentemente atual. Se não, reparem.


Quando o filme terminou e enquanto nos dirigíamos para a saída, apercebi-me que o público era muito visivelmente bastante mais velho. A média de idades estava seguramente bem acima dos cinquenta. Mas o insólito aconteceu quando nos aproximámos do carro. Ali perto, sentada na entrada de um edifício, estava uma senhora de idade bastante avançada, de lenço na cabeça e acompanhada por uma canadiana e uma bengala. Parecia falar sozinha. Quando nos viu entrar para o carro levantou-se, e muito curvada, carregando nas costas o peso da idade e da vida, lá conseguiu chegar até junto do carro. Foi quando percebemos que tinha mesmo intenção de nos falar. A sua vontade era apenas que lhe déssemos boleia até à sua casa que ficava numa rua ali próxima!!

E foi o que fizémos. Ajudámos a senhora com todo o seu vagar a entrar e a sentar-se no carro. "À frente", disse ela. Tinha de ser, tive de ir para trás. Parecia segura da morada e do número da porta e lá fomos. Ela estava certa e por isso lá estava o número 87. Enquanto o M. a ajudou a sair, espreitei a entrada do prédio e não vi mais do que degraus, muitos e a pique. Uma escada, cujos melhores dias já passaram há muitos anos, lá a levou de volta até ao terceiro andar. Sim, eu disse terceiro! Agradeceu-nos e despediu-se, não sem antes nos dar um beijo a cada um. Ela fez questão.

No meu pensamento comovido ficou a pairar a pergunta: onde estarão os filhos desta senhora?

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